Presente de casamento (Fernando Bastos)

Baseado em uma história real
Como é comum nos dias de hoje, a cerimônia religiosa e a festa seriam no mesmo local. No caso, em um clube famoso da cidade. Em um primeiro olhar, parecia tudo normal.
Os cozinheiros, com suas toalhas sobre os ombros; os convidados, sentados às mesas ou em pé, pelos cantos; os dez pares de testemunhas, em impecáveis trajes de gala, devidamente perfilados, aguardando a chegada da noiva; os pais dos nubentes, segredando a quem estava ao lado, que aquele era o dia mais emocionante de suas vidas; o noivo, sorrindo de vez em quando, para disfarçar o nervosismo; meia dúzia de crianças correndo pra lá e pra cá, alheias a tudo; um cão rodando o pátio à espera de comida; tudo parecia andar conforme as regras.
No entanto, faltava a protagonista. Embora a noiva já havia chegado ao clube, trazida em um carro de luxo importado, para talvez dar boa sorte, ela havia desaparecido. Ninguém sabia de seu paradeiro. Um dos convidados sussurrou no ouvido da esposa, Cadê a menina? Ela respondeu, como se fosse uma vidente, Deve estar no banheiro retocando a maquiagem. Você não lembra que, quando casamos, eu também demorei pra entrar?
Claro que ele lembrava. Mas o motivo pelo sumiço da jovem, isso ele saberia mais tarde, era de outra ordem. A conversa a seguir aconteceu numa sala do clube, enquanto todos esperavam pela noiva. Um homem grande, de terno feito sob medida e uma jovem apreensiva, toda de branco, que segurava bem apertado um ramalhete de brancas rosas, estavam frente a frente. O homem grande, que celebraria em instantes o casamento, sabedor dos desejos divinos, disse com um franco sorriso, Você está radiante, Julieta. Obrigada, respondeu a menina. O porta-voz de Deus perguntou, Trouxe o CD? Claro, tá aqui, disse ela. Quando estendeu o braço para entregar o CD ao homem de Deus, a nubente sentiu o braço tremer. Ele leu, por alguns segundos, o repertório escrito em azul, com a letra dela, nas linhas do encarte,
Someone like you, Adele, música de entrada. Depois, Rihanna, Wait your turn; Mariah Carey, I want to know what Love is; Beyoncé … Já chega!, disse o homem irritado. Jogou o CD no lixo – juntamente com sua compaixão cristã -, e declarou, em tom firme, Com essas músicas, você não vai casar nunca, querida.
Uma lágrima escorreu do olho esquerdo da noiva, borrando a maquiagem. Ela tentou argumentar, São as músicas que eu e Romeu mais amamos, cada uma delas lembra um momento especial em nossas vidas. O líder religioso discordou, São músicas “do mundo”, Julieta, e Deus odeia essas canções. Não fique triste, jovenzinha. Deus sabia que isso iria acontecer e me orientou a preparar uma seleção musical mais adequada ao momento. Agora, pare de chorar, vou chamar minha esposa, que retocará sua maquiagem.
Vinte minutos depois, Julieta, tão bela como jamais Romeu imaginara, ia a seu encontro, para a troca de alianças. Todos se levantaram. Embora sorrisse, era visível uma estranha tristeza em seus olhos, que brilhavam devido às lágrimas contidas.
Quando tocou a marcha nupcial de Wagner, ela não resistiu, e chorou. Seus lábios, no entanto, iam cantarolando baixinho uma canção, que só ela ouvia, a música que ela havia preparado para o momento mais feliz de sua vida:

“Never mind, I’ll find someone like you
I wish nothing but the best for you, too
Don’t forget me, I beg, I remember you said
Sometimes it lasts in Love…”

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2 respostas para Presente de casamento (Fernando Bastos)

  1. Um belo exemplo de como a intolerância faz mal. Creio que ser cristão não tem nada a ver com isso…

    • concordo, Tiago. Jesus não apoiaria a recusa do celebrante em tocar as músicas que a noiva escolhera. Afinal, eram músicas que falavam de amor, algo muito presente no discurso do Galileu.

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