Escritor Convidado (Marcos Santos)

Calisto
 
Da escotilha superior pude observar a olho nu, o módulo de exploração distanciando-se da nave mãe, que pairava numa órbita segura. Fiquei observando-a até tornar-se apenas um ponto brilhante no espaço.
Lá estava a minha única ligação com a Terra e a partir de agora eu estava só.
Meu destino? Calisto, terceira maior lua do Sistema Solar e segunda maior de Júpiter.
 
Durante a descida pude observar o planeta gigante nascendo no horizonte. Diferentemente do que observamos na Terra, ao nascer da Lua e no alvorecer do Sol, Júpiter ocupa um espaço muito maior no céu “calistiano”, nos dando a impressão de que o satélite será tragado a qualquer momento pelas gigantescas tempestades do planeta.
 
Com um controle totalmente automatizado e inteligente, o módulo de descida favorece as observações obtidas visualmente por seu piloto. Pena que devido ao reduzido espaço interno, apenas um tripulante possa usá-lo por vez, o que causa uma certa depressão devido ao isolamento.
Eu não sei bem como cheguei a esse ponto em minha vida, mas acredito que essa perturbação mental possa ser um efeito colateral da proximidade com um planeta tão grande como Júpiter (sua massa é 318 vezes à da Terra), o que restringe minhas lembranças antigas…mas consigo manter-me focado em meus afazeres de piloto e é isso que importa no momento.
Vejo o solo aproximando-se rapidamente. Sinto um forte sacolejo e finalmente alunizo em Calisto.
 
É muito boa a experiência de pisar num mundo nunca antes pisado por alguém. Dá uma certa angústia, mas a sensação é única.
Durante o dia, que dura cerca de oito dias terrestres, posso ver nosso Sol, de brilho tênue devido à maior distância da Terra, mas que ainda consegue iluminar todo o hemisfério gelado de Calisto.
Aproveito essa claridade para instalar os equipamentos de exploração e observação. Faço toda parte exploratória enquanto faltam 48 horas para a noite. Noto uma superfície tremendamente irregular e seu imenso número de crateras indicam que em algum período de sua existência, Calisto foi duramente bombardeada por asteroides, cometas, meteoros, meteoritos e todo tipo de precipitações cósmicas.
Finalmente a noite chega novamente e não consigo tirar os olhos de Júpiter, o planeta gigante que paira lindo no céu noturno de Calisto. Meu objetivo é tentar explicar a influência gravitacional de Júpiter no aquecimento do núcleo do satélite, daí a importância em aguardar a chegada da noite, pois é o período em que o planeta gigante eclipsa totalmente o Sol…mas…espere…há algo errado comigo.
 
Subitamente sinto uma ardência na testa, acima do olho direito. Fito com os olhos e vejo uma pequena fissura na lente de meu traje espacial. Provavelmente o incômodo seja efeito da atmosfera gelada de dióxido de carbono entrando no capacete…mas a ardência aumenta e instintivamente tento tocar o local com o dedo médio. Sinto um pequeno estalar de uma microbolsa na ponta do dedo, de onde saiu algo úmido e viscoso. Em seguida abro os olhos. Meu dedo está com a digital suja de sangue e…
 
…O mosquito filho da puta que me acordou estava morto. Calisto era coisa do passado.
 
Marcos Santos
Rio de Janeiro
 
Pequena Biografia
 
Sou Marcos José dos Santos, o José não é nome composto mas sobrenome, pois meu avô português materno veio para o Brasil apenas como Antônio José. O que ele fez com o resto do nome…não me pergunte.
Sou Engenheiro Mecânico, mas não exerço a função há muitos anos. Desde 1992 trabalho no comércio, tenho uma empresa distribuidora de laticínios por atacado.
Nasci em 31 de março de 1962 no Rio de Janeiro, quando aqui ainda era o Estado da Guanabara.
Comecei a escrever por acaso, após presenciar uma cena forte que tive que descrevê-la no papel.
Escrevo eventualmente, quando sonho ou vejo algo que mereça alguma crônica ou comentário.
Esse post foi publicado em Não categorizado e marcado , , , . Guardar link permanente.

4 respostas para Escritor Convidado (Marcos Santos)

  1. Inacio Carreira disse:

    José, belo acaso. Parabéns. Difícil escrever ficção científica, você surpreende (pela formação em engenharia?). Não sei se é sua primeira participação: caso afirmativo, seja bem-vindo.
    Abaixo os mosquitos sugadores de sangue, abaixo os sugadores de sangue.,

    • Marcos José disse:

      Antes de mais nada, obrigado pela acolhida.
      Ao Inacio, respondo que não sei se minha formação ajuda a escrever esse tipo de texto. A verdade é que desde criança esses assuntos me encantam, tempo em que meu sonho era ser motorista de ônibus. De qualquer forma, acredito que qualquer formação acadêmica, mais ajuda do que atrapalha, a expressão das idéias.
      Tenho que admitir que realmente fiquei frustado ao acordar com a picada do mosquito, pois tudo parecia muito real.

  2. Vana disse:

    Marcos, adorei, amei de paixão. Já escrevi coisas muito parecidas e acho um barato esta “viagem”. No mes que vem não dá por que o Tiago já tem conto meu na manga, mas depois postarei para que sejas tu a viajar comigo.
    Considero (aprendi) que conto tem que ter esta tensão que nos leva a ficar de respiração suspensa.
    Seja bem vindo, bons contistas se contam nos dedos, embora faltem dedos para contistas. hehehe
    Abraço

O que tens a dizer sobre o post?